terça-feira, 24 de março de 2009

O ADN mitocondrial de Eva

A tecnologia do ADN recombinante melhorou tanto a precisão da análise genética que, como uma ferramenta, a genética está encontrando aplicações em campos de investigação inteiramente novos. A aplicação da genética molecular à antropologia é, pelo menos para mim, uma surpresa que tem produzido um resultado inesperado. Como um adendo, eu gostaria de relatar a descoberta da tão conhecida Eva Mitocondrial. Os métodos empregados nessa pesquisa, senão o assunto em si, já nos serão familiares através dos estudos feitos previamente neste capítulo de genética molecular na medicina.
A surpreendente e controversa teoria da Eva Mitocondrial, demonstrada há alguns anos, é actualmente aceita por muitos cientistas, e novos dados experimentais deram suporte a essa conclusão inicial. A hipótese da Eva Mitocondrial sugere que o grau de similaridade genética entre seres humanos (ou outras espécies) pode ser quantificado pelo número de mutações dentro do ADN do genoma mitocondrial (ADNmt).
Os genes de uma criança são aproximadamente igualmente herdados do pai e da mãe. O rearranjo genético que ocorre a cada geração sucessiva dá ao feto duas cópias de cada gene de uma escolha de quatro possíveis dentre os genomas dos pais. Esta reprodução sexual junta com recombinação genética aumenta a diversidade da resposta genética em relação a pressões evolucionárias.
A herança do ADN mitocondrial (ADNmt) é uma excepção à reprodução sexual
Acredita-se que a mitocôndria, organela essencial ao metabolismo anaeróbico, teria sido uma bactéria primitiva que se tornou um parasita obrigatório de células eucarióticas. As mitocôndrias possuem muitos componentes da bactéria, incluindo uma quantidade limitada do seu próprio ADN. De singular na teoria da Eva Mitocondrial é a descoberta de que o ADNmt é herdado apenas da mãe, não havendo nenhuma contribuição do pai na época da fertilização. Quando o espermatozóide penetra o óvulo, não há entrada de mitocôndria. Apenas o ADN da cabeça do espermatozóide contribui para a formação do zigoto. A única fonte de ADNmt do zigoto é materna. A mãe passa o seu componente de ADN mitocondrial para suas filhas e filhos.
Os filhos não podem passar sua informação genética adiante; a informação pode ser passada apenas pelas filhas. O ADNmt é uma molécula circular, com apenas 16.500 nucleotídeos, que codificam ARN ribossómico e de transferência, assim como algumas enzimas da cadeia de transporte de electrões presentes na mitocôndria. Outras enzimas da mitocôndria são codificadas pelo ADN nuclear celular.
Investigadores de Berkeley usaram estudos de ADN mitocondrial para traçarem ancestrais humanos, contando com o fato de que o pouco apreciado ADN mitocondrial é passado de geração a geração somente por fontes maternas.
Eles retiraram amostras de ADN mitocondrial de 147 diferentes indivíduos escolhidos dos tantos grupos antropologicamente diversos quanto possíveis dentre a população da Terra. Aborígenes australianos, índios americanos, negros africanos, europeus do Norte, e outros foram todos amostrados. O ADNmt de cada indivíduo foi submetido a um extensivo mapeamento por RFLP.
Uma análise comparativa das mutações em cada amostra foi feita. Os pesquisadores de Berkeley formaram uma árvore evolutiva, assumindo que, quanto menor as diferenças mutacionais entre dois indivíduos mais proximamente relacionados eles estavam.
O resultado surpreendente foi que todas as ramificações da árvore se juntaram em um tronco rapidamente. Rapidamente significa que usando uma taxa assumida para as mutações no ADNmt, todos os indivíduos testados poderiam ser considerados tendo uma mãe comum africana em um passado evolutivo recente. Estes investigadores concluíram: "Todos estes ADN's mitocondriais partiram de uma única mulher que se postula ter vivido 200.000 anos atrás, provavelmente na África. Todas as populações examinadas, excepto a população africana, têm origens múltiplas, implicando que cada área foi colonizada repetidamente." O ancestral africano foi chamado Eva Mitocondrial pela imprensa. A descoberta de uma convergência na árvore evolutiva a um único ancestral materno comum que viveu na África sub-saariana há apenas 200.000 anos é sem dúvida dramática. Muitas potenciais falhas nessa teoria têm sido extensivamente debatidas.
Os 200.000 anos estimados ao ancestral comum poderiam ser um erro significante se fosse assumido que a taxa de mutação para o ADNmt estivesse errada. O ADN mitocondrial possui uma taxa de mutação mais alta do que o ADN nuclear, porque a mitocôndria não possui o mecanismo de reparo extensivo do ADN, presente no núcleo da célula. Mesmo assim a taxa de mutação não pode estar errada por mais de um ou dois factores. A selecção dos 147 indivíduos pode não ser suficiente para mostrar outras diversas tendências evolutivas nos seres humanos. Em adição, uma ramificação da árvore evolutiva testada usando o ADNmt é perdida quando ocorre uma geração em que apenas nascem filhos. Isto leva a potenciais becos sem saída neste este tipo de análise. Alguns antropólogos se incomodam com o fato das gravações fósseis da evolução do homem não se igualarem a este curto espaço de tempo sugerido pelas gravações do ADN. Mesmo assim, muita discussão e os novos dados dos últimos anos sugerem que o modelo está basicamente correcto. A análise de ADNmt para o estudo da evolução em muitas espécies está sendo genericamente aceita. A tecnologia do ADN recombinante se tornou uma ferramenta aceita e altamente quantitativa para os estudos em antropologia, evolução e ecologia.

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