terça-feira, 24 de março de 2009

A Terra esfriou mais cedo?

Por John W. Valley

Novas medições sugerem que o nosso planeta pode não ter passado seus
primeiros 500 milhões de anos afogado em lava. É possível que oceanos,
continentes e a vida tenham surgido mais cedo. Manuais de geologia afirmam
que nosso planeta passou seus primeiros 500 milhões de anos coberto por
magma quente, mas essa tese pode estar errada. Cristais de zircão revelam
que a superfície da Terra talvez tenha esfriado bem antes, permitindo desde
cedo o surgimento de oceanos, continentes e oportunidades para a origem da
vida.


Um novo conceito sobre como era a Terra primordial, coberta por oceanos há
4,4 biliões de anos, contrasta com o mundo quente e hostil normalmente
representado nos livros didácticos. A Lua estava mais próxima naquele
tempo, por isso parecia maior do que nos dias de hoje.

Na sua infância, que começou há cerca de 4,5 biliões de anos, a
Terra brilhava como se fosse uma estrela ténue. Oceanos incandescentes de
magma alaranjado ondulavam na superfície do planeta após as frequentes
colisões com imensos meteoros, alguns do tamanho de pequenos planetas, que
orbitavam o Sol recém-criado. Viajando em média a 90 mil km/h (75 vezes a
velocidade do som), cada corpo impactante se incendiava na superfície da
Terra, estilhaçando, derretendo e até se vaporizando no momento do contato.

Logo no início, o ferro denso afundava no magma para formar o
núcleo metálico, liberando gravidade para derreter todo o planeta.
Meteoritos continuaram a colidir com a Terra durante centenas de milhões de
anos.
Ao mesmo tempo, no núcleo da Terra, o decaimento de elementos
radioactivos produzia seis vezes mais calor do que hoje. Essas condições
infernais tinham de se acalmar para que as rochas derretidas se
solidificassem, para que os continentes se formassem, para que a atmosfera
de vapor se condensasse, e para que a primeira forma de vida pudesse
evoluir. Mas, quão rapidamente a superfície da Terra esfriou? A maioria dos
cientistas assume que o ambiente infernal durou 500 milhões de anos, uma
era geológica baptizada como Hadeana. O maior apoio para tal visão vem da
ausência de rochas intactas com mais de 4 biliões de anos – e dos primeiros
sinais fossilizados de vida, que surgiram muito tempo depois.
Nos últimos anos, entretanto, geólogos – incluindo meu grupo da
Universidade de Wisconsin-Madison – descobriram cristais de minério de
zircão antigos cuja composição química está mudando o conceito sobre os
primórdios da Terra. As propriedades incomuns desses minerais duráveis –
cada um do tamanho do ponto final desta sentença - possibilitou aos
cristais preservar indícios sobre como teria sido o ambiente da Terra
quando eles se formaram. Essas minúsculas cápsulas do tempo carregam
evidências de que oceanos habitáveis para a vida primordial e, mesmo os
continentes, poderiam ter surgido 400 milhões de anos antes do que
geralmente se pensava.

Resfriamento
Desde o século XIX cientistas vêm tentando calcular quão
rapidamente a Terra se resfriou, mas poucos esperavam descobrir evidências
sólidas.
Embora os oceanos de magma, no início, estivessem com mais de
1.000oC, a ideia tentadora de uma Terra primitiva temperado veio de
cálculos da termodinâmica. Os números indicam que a crosta poderia ter se
solidificado na superfície em 10 milhões de anos. Como o planeta endureceu
externamente, a fina camada de rocha solidificada teria isolado o exterior
das altas temperaturas vindas do interior da Terra. Se houve períodos
tranquilos adequados entre os grandes impactos de meteoritos, se a crosta
era estável, e se o efeito estufa da atmosfera não aprisionou muito calor,
então as temperaturas poderiam ter caído rapidamente, abaixo do ponto de
ebulição da água. Além disso, o Sol primitivo era mais fraco e deve ter
contribuído com menos energia.
Para a maioria dos geólogos, entretanto, o incontestado nascimento
turbulento do planeta e os poucos indícios no registro geológico parecem,
contrariamente, apontar para um prolongado clima ultra quente. A rocha
intacta mais antiga conhecida é a Gnaisse Acasta, de 4 biliões de anos, no
noroeste do Canadá. Essa pedra, porém, formou-se nas profundezas do planeta
e não carrega nenhuma informação sobre as condições da superfície. A
maioria dos cientistas assume que as condições infernais presentes na
superfície do planeta devem ter obliterado qualquer rocha que se formou
muito cedo. As rochas mais antigas conhecidas que se originaram sob a água
(e, portanto, em ambientes relativamente mais frios) datam de 3,8 biliões
de anos atrás. Esses sedimentos, expostos em Isua, no sudoeste da
Groenlândia, também contêm a evidência de vida mais antiga.

Escavações Profundas
Nos anos 1980, os cristais de zircão começaram a acrescentar novos
dados sobre a Terra primitiva, quando uns poucos e raros grãos em Jack
Hills e em Mount Narryer, no oeste da Austrália, foram reconhecidos como os
materiais terrestres mais antigos – chegando a quase 4,3 biliões de anos.
Mas a informação que esses cristais carregavam parecia ambígua, em parte
pelo fato de os geólogos estarem inseguros quanto à identidade da rocha
matriz. Uma vez formados, os cristais de zircão são tão duráveis que podem
persistir, mesmo se a sua rocha matriz for levada à superfície e destruída
por exposição ao ar e erosão. O vento ou a água podem então transportar os
grãos sobreviventes por grandes distâncias antes de o mineral se incorporar
a depósitos de areia e cascalho que, mais tarde, solidificam-se em rochas
sedimentares. De facto, os cristais de zircão – talvez milhares de
quilómetros distantes de suas fontes – foram descobertos incrustados em um
banco de cascalhos fossilizado chamado de conglomerado de Jack Hills.
Assim, a despeito do entusiasmo com a descoberta desses fragmentos
primevos da Terra, a maioria dos cientistas, incluindo eu, continuou a
aceitar a visão de que o clima do nosso jovem planeta era Hadeano. Foi
depois de 1999 que os avanços tecnológicos permitiram novos estudos com o
zircão do oeste da Austrália, o que desafiou a tese convencional sobre a
história mais antiga da Terra.
Os cristais de zircão australianos não revelaram os seus segredos
tão facilmente. Em primeiro lugar, o conglomerado de Jack Hills está
isolado na fronteira de imensas fazendas de ovelhas situadas 800 km ao
norte de Perth, a cidade mais isolada da Austrália. O conglomerado foi
depositado três biliões de anos atrás e marca o limite noroeste de um
conjunto de formações rochosas, todas anteriores a 2,6 biliões de anos.
Para conseguir recuperar menos do que uma pitada de cristais de zircão,
colectamos centenas de quilos de rochas desses afloramentos remotos e os
transportamos até nosso laboratório para triturá-los e separá-los, como se
estivéssemos procurando grãos especiais na areia de uma praia.
Uma vez extraídos de sua rocha-fonte, os cristais individuais
poderiam ser datados, já que os zircões são excelentes cronómetros
geológicos. Além da sua longevidade, contêm traços de urânio radioactivo,
que decai para chumbo a um ritmo conhecido. Quando um cristal de zircão se
forma a partir de magma solidificado, átomos dos elementos zircónio,
silício e oxigénio combinam-se em proporções exactas (ZrSiO4) para criar
uma estrutura cristalina exclusiva do zircão; o urânio ocasionalmente os
substitui como um traço de impureza. Átomos de chumbo, por outro lado, são
muito grandes para substituir adequadamente qualquer dos elementos da
composição, e por isso os cristais de zircão nascem virtualmente livres de
chumbo. O relógio urânio-chumbo começa a funcionar tão logo o zircão se
cristaliza, e a razão chumbo/urânio aumenta com a idade do cristal. Os
cientistas conseguem determinar a idade de um cristal de zircão não
danificado com 1% de exactidão. No caso da Terra primitiva isso representa
margem de erro de 40 milhões de anos.
A datação de partes específicas de um único cristal foi realizada
pela primeira vez no início dos anos 1980, quando William Compston e
colegas da Universidade Nacional Australiana em Canberra inventaram um tipo
de microssonda iónica, um instrumento bastante grande que baptizaram de
SHRIMP (sigla em inglês para microssonda iónica sensitiva de alta
resolução). Embora a maioria dos cristais de zircão seja quase invisível a
olho nu, a microssonda iónica lança um raio de iões tão estreitamente
focado que pode arrancar um pequeno número de átomos de qualquer alvo na
superfície do cristal. Um espectrómetro de massa mede então a composição
desses átomos ao comparar suas massas. Foi o grupo de Compston –
trabalhando com Robert Pidgeon, Simon A. Wilde e John Baxter, da
Universidade Curtin de Tecnologia, também na Austrália – que primeiro datou
os zircões de Jack Hills, em 1986.
Sabendo disso, abordei Wilde. Ele concordou em reinvestigar as
datações por urânio-chumbo dos cristais de zircão de Jack Hills como parte
da tese de doutorado de William H. Peck, meu aluno, hoje professor
assistente da Universidade Colgate. Em 1999, Wilde analisou 56 cristais
não-datados usando uma SHRIMP aprimorada na Universidade de Curtin.
Descobriu que cinco desses cristais apresentavam idade superior a 4
biliões de anos. Para nossa grande surpresa, a idade do mais velho deles
superava 4,4 biliões de anos. Algumas amostras provenientes da Lua e de
Marte têm idade similar, e os meteoritos são, geralmente, mais antigos; mas
nada com essa idade tinha sido descoberto na Terra, nem mesmo se esperava
descobrir. Quase todos achavam que, se esses antigos cristais de zircão
tivessem existido, a dinâmica das condições dos Hadeanos teria destruído a
todos. Nem desconfiávamos que a mais excitante das descobertas ainda estava
por vir.

Velhos Oceanos
Peck e eu fomos atrás dos zircões de Wilde, do oeste da Austrália,
porque estávamos de olho em uma amostra bem preservada do oxigénio mais
antigo da Terra. Sabíamos que os cristais de zircão poderiam reter
evidências, não apenas de quando sua rocha hospedeira teria se formado, mas
também de como isso ocorreu. Em especial, estávamos usando as proporções de
diferentes isótopos de oxigénio para estimar as temperaturas dos processos
que teriam levado à formação de magmas e rochas.
Os geoquímicos medem a proporção de oxigénio 18 (18O, um raro
isótopo com oito protões e dez neutrões, que representa cerca de 0,2% de
todo o oxigénio da Terra) para o oxigénio 16 (16O, o isótopo mais comum,
que compreende 99,8% do total). Esses átomos são chamados de isótopos
estáveis porque não sofrem decaimento radioactivo e, desse modo, não mudam
espontaneamente com o passar do tempo. Entretanto, a proporção de 18O e 16O
incorporada dentro do cristal durante a sua formação varia de acordo com a
temperatura ambiente na época em que o cristal se formou.
A razão 18O/16O é bem conhecida para o manto da Terra (a camada de
2.800 km de espessura embaixo da fina camada de 5 km a 40 km dos
continentes e da crosta oceânica). Magmas que se formam no manto sempre
apresentam quase a mesma proporção de isótopo de oxigénio. Por questão de
simplicidade, os geoquímicos ajustam essas proporções relativas àquela da
água do mar e expressam-na naquilo que é chamado de notação delta (?). O
?18O do oceano é 0 por definição, e o ?18O do zircão do manto é 5,3, o que
significa que tem uma razão 18O/16O maior que a da água do mar.
Por isso Peck e eu esperávamos descobrir um valor de 5,3 para o
manto primitivo, quando levamos os cristais de zircão de Jack Hills
analisados por Wilde, incluindo os cinco mais antigos, até a Universidade
de Edimburgo, naquele mesmo verão. Lá, John Craven e Colin Graham nos
auxiliaram a usar um tipo diferente de microssonda iónica, especialmente
projectada para medir as proporções do isótopo de oxigénio. Havíamos
trabalhado juntos muitas vezes nas décadas precedentes, para aperfeiçoar a
técnica e poder analisar amostras um milhão de vezes menores do que aquelas
analisadas no meu laboratório em Wisconsin.
Após 11 dias de análises ininterruptas e poucas horas de sono,
completamos as medições e descobrimos que as nossas predições estavam
erradas. Os valores ?18O do zircão eram superiores a 7,4.
Ficamos atordoados. O que poderia significar essa alta proporção
isotópica? Nas rochas mais jovens a resposta seria óbvia, porque amostras
assim são comuns. Um cenário previsível é o de que as rochas a baixas
temperaturas na superfície da Terra podem adquirir tal característica se
interagirem quimicamente com água de chuva ou do oceano. As rochas com alto
1?8O, quando soterradas e fundidas, formam o magma que retém esse alto
valor, que é então passado aos zircões durante a cristalização. Desse modo,
a água líquida e as baixas temperaturas são necessárias na superfície da
Terra para formar zircões e magmas com altos ?18O; não se conhece nenhum
outro processo que resulte nisso.
A descoberta de altas proporções de isótopos de oxigénio nos
zircões do conglomerado de Jack Hills significa que provavelmente já
existia água líquida sobre a superfície da Terra pelo menos 400 milhões de
anos antes das rochas sedimentares conhecidas mais antigas, da Groenlândia.
Se correto, é provável que já houvesse oceanos inteiros naquele tempo,
tornando o clima primitivo da Terra mais parecido com uma sauna do que com
uma bola de fogo Hadeana.

Vestígios Continentais
Poderíamos basear conclusões tão importantes sobre a história da Terra em
uns raros e diminutos cristais? Protelamos a publicação de nossas
descobertas por mais de um ano para reexaminar as análises. Enquanto isso,
outros grupos conduziam suas próprias pesquisas em Jack Hills.
Steven Mojzsis, da Universidade do Colorado, e colegas da
Universidade da Califórnia em Los Angeles confirmaram nossos resultados, e
todos publicamos estudos em 2001 descrevendo as descobertas.
As possíveis implicações dos achados acerca do zircão propagaram
entusiasmo no meio científico. Na violência superaquecida de um mundo
Hadeano, nenhuma amostra teria sobrevivido para que os geólogos pudessem
estudá-la. Mas esses cristais de zircão indicavam um mundo mais ameno e
familiar, além de fornecer meios para esclarecer os seus segredos. Se o
clima da Terra era frio o bastante para que existissem oceanos de água logo
no começo, então talvez os cristais de zircão pudessem nos revelar se os
continentes e outros aspectos da Terra moderna já existiam também naquele
tempo. Para tanto, tínhamos de olhar mais fundo nos cristais.
Mesmo o menor dos cristais de zircão contém outros materiais
encapsulados. Esse conteúdo, bem como o padrão de crescimento dos cristais
e a composição das impurezas, podem revelar muito sobre o local de origem
do zircão. Quando Peck e eu estudamos cristais de 4,4 biliões de anos, por
exemplo, descobrimos que continham partes de outros minerais, inclusive
quartzo. Isso nos causou surpresa, já que o quartzo é raro nas rochas
primitivas e provavelmente não existia na primeira crosta que se formou
sobre a Terra. A maior parte do quartzo vem de rochas graníticas, comuns em
crosta continental que se formou posteriormente.
Se os cristais de zircão do conglomerado de Jack Hill vieram de
uma rocha granítica, tal evidência daria suporte à hipótese de que são
amostras do primeiro continente criado no mundo. Mas é preciso ter cautela,
pois uma pequena quantidade de quartzo pode se formar nos últimos estágios
da cristalização do magma, mesmo se a rocha matriz não for granítica. Por
exemplo, cristais de zircão e uns poucos grãos de quartzo foram descobertos
na Lua, onde nunca surgiu uma crosta granítica do tipo continental.
Causaria surpresa a alguns cientistas se os cristais de zircão mais antigos
da Terra tivessem se formado num ambiente parecido com o da Lua primitiva
ou, então, por algum outro meio que hoje já não é mais comum, como o
impacto de meteoritos gigantes ou vulcanismo profundo. Até agora, porém,
não descobrimos evidências convincentes para essas hipóteses.
Há indícios, contudo, a favor da crosta continental nos
elementos-traço (aqueles que substituem o zircão em níveis abaixo de 1%).
Os cristais do conglomerado de Jack Hills têm elevada concentração desses
elementos, bem como padrões de európio e cério que são mais comummentes
formados durante a cristalização da crosta, o que significa que os zircões
foram constituídos próximos à superfície da Terra e não no manto. Além
disso, as proporções dos isótopos radioactivos de neodímio e háfnio – dois
elementos usados para determinar o tempo dos eventos de criação da crosta
continental – sugerem que partes significativas da crosta continental
formaram-se já há 4,4 mil milhões de anos.
A distribuição dos cristais de zircão antigos nos forneceu
evidências adicionais. A proporção de cristais de zircão com mais de 4
biliões de anos excede 10% em algumas amostras do conglomerado de Jack
Hills. Além disso, sua superfície está altamente desgastada, e as faces
originalmente angulosas estão arredondadas, sugerindo que os cristais foram
impelidos para longe de sua rocha originária. Como puderam viajar centenas
ou milhares de quilómetros, em forma de areia levada pelo vento, e ainda
assim se concentrar em um mesmo local, a menos que houvesse uma grande
quantidade deles? Como escaparam de ser soterrados e fundidos no calor do
manto a menos que uma fina crosta de tipo continental fosse estável o
bastante para preservá-los? Essas descobertas implicam que os cristais de
zircão já foram abundantes e se originaram em uma região ampla,
possivelmente uma massa de terra continental. Se foi assim, é provável que
as rochas daquele tempo ainda existam; uma perspectiva entusiasmante, pois
seria possível aprender muito com uma rocha intacta dessa idade.
Além do mais, a distribuição por idade dos zircões antigos é
desigual. As datações se aglomeram em certos períodos de tempo, e nenhum
cristal de outras eras foi descoberto. Meu ex-aluno de graduação Aaron J.
Cavosie, hoje professor assistente da Universidade de Porto Rico, descobriu
tal evidência mesmo em zircões de zona única, nos quais o núcleo se formou
mais cedo, há cerca de 4,3 biliões, com crescimento circundante posterior,
entre 3,3 biliões e 3,7 biliões de anos atrás. Na borda, o zircão é mais
jovem do que no núcleo, já que os cristais crescem concentricamente pela
adição de material aos grãos que estão na parte mais externa. Mas a grande
diferença etária, com lapsos de tempo, entre os centros e as bordas desses
cristais de zircão indica que dois eventos distintos ocorreram, separados
por um intervalo maior. Nos cristais de zircão mais jovens, fáceis de
obter, esse tipo de relação etária do centro para a borda resulta dos
processos tectónicos que derretem a crosta continental e reciclam os
cristais que estão no seu interior. Muitos cientistas tentam testar se
condições similares produziram os antigos cristais de zircão do
conglomerado de Jack Hills.
Mais recentemente, E. Bruce Watson, do Instituto Politécnico
Rensselaer, e Mark Harrison, da Universidade Nacional Australiana,
relataram níveis de titânio menores do que o esperado nesses antigos
cristais de zircão, sugerindo que a temperatura de seu magma original deve
ter sido de entre 800ºC e 650ºC. Essa temperatura baixa seria possível
somente se as rochas-matriz fossem graníticas; a maioria das rochas
não-graníticas derrete a altas temperaturas, e assim os seus zircões
deveriam conter mais titânio.

Um zircão é para Sempre
Desde que meus colegas e eu analisamos as proporções de isótopos de
oxigénio naqueles cinco cristais de zircão de Jack Hills, em 1999, os dados
que sustentam nossas conclusões aumentaram rapidamente. Investigadores em
Perth, Canberra, Pequim, Los Angeles, Edimburgo, Estocolmo e Nancy estão
analisando dezenas de milhares de cristais de zircão de Jack Hills com o
auxílio de microssondas iónicas e outras técnicas de datação, em busca de
amostras com mais de 4 biliões de anos.
Centenas de cristais de zircão recentemente descobertos vieram de
várias localidades com idade entre 4 bilhões e 4,4 bilhões de anos. Alguns
foram achados 300 km ao sul do conglomerado de Jack Hills. Geoquímicos
examinam outras antigas regiões da Terra, na esperança de descobrir os
primeiros cristais de zircão anteriores a 4,1 biliões de anos fora da
Austrália.
A intensificação das buscas está estimulando o aperfeiçoamento das
tecnologias. Cavosie obteve análises com mais exactidão e identificou mais
de 20 cristais de zircão do conglomerado de Jack Hills com alta proporção
de isótopos de oxigénio, o que indica temperaturas mais frias na superfície
e a presença de oceanos há 4,2 biliões de anos. Meus colegas e eu
continuamos as buscas, com o auxílio do primeiro modelo da mais nova
geração de microssonda iónica, a Cameca IMS-128, instalada no meu
laboratório em Março passado.
Muitas questões serão respondidas se pedaços das rochas originais
que formam os cristais de zircão puderem ser identificados. Mas, mesmo que
isso não ocorra, ainda temos muito o que aprender com essas minúsculas
cápsulas do tempo.

Cápsulas do Tempo
Por muito tempo, geólogos pensaram que as condições hostis presentes no
nascimento do nosso planeta, 4,5 biliões de anos atrás, deram lugar a um
clima mais ameno há cerca de 3,8 biliões de anos.

Hoje, pequenos cristais de zircão, que retêm evidências claras de quando e
como foram formados, sugerem que a Terra esfriou muito mais cedo, talvez há
4,4 biliões de anos.

Alguns cristais de zircão mais antigos apresentam composições químicas
herdadas de ambientes mais frios e húmidos, como os necessários para a
evolução da vida.


O autor
John W. Valley completou o doutorado em 1980 pela Universidade de Michigan
em Ann Arbor, onde começou a se interessar pela Terra em seu estado
primitivo. Ele e seus alunos passaram a explorar o registro das rochas mais
antigas por toda a América do Norte e Austrália, Groenlândia e Escócia.
Hoje, Valley é presidente da Sociedade Mineralógica da América e professor
de geologia da Universidade de Wisconsin-Madison, onde fundou o sofisticado
laboratório WiscSIMS.


Para conhecer mais
A cool early Earth. John W. Valley, William H. Peck, Elizabeth M. King e
Simon A. Wilde, em Geology, vol. 30, no 4, págs. 351-354, April de 2002.

Magmatic d18O in 4400-3900 Ma detrital zircons: a record of the alteration
and recycling of crust in the early Archean. Aaron. J. Cavosie, J. W.
Valley, S. A. Wilde e the Edinburgh Ion Microprobe Facility, em Earth and
Planetary Science Letters, vol. 235, no 3, págs. 663-681, 15 de julho de
2005.

O website do autor, "Zircons are forever" está no endereço
www.geology.wisc.edu/zircon/zircon-home.html


Edição Nº 42 – SCIAM Brasil – Novembro de 2005
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